segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Um encontro elevado

Adélia Prado, em seu poema Biografia do Poeta, através de algumas lembranças da infância nos tráz uma imagem de sua casa, um abrigo, protegido e rodeado por duas oliveiras. A cena pela sua beleza remete ao início de um amor, o amor por Jonathan que é a encarnação de Deus. À sombra das oliveiras Jesus pregava e orava, e a casa da poetisa também fica à sombra das oliveiras, aproximando, ou melhor, transformando a casa em um espaço sagrado.
Na poesia Canto de Ofício de Mariana Ianelli, o próprio título cria a idéia de oração, o espaço de oração e de reflexão/introspecção é o quarto à meia luz, um lugar íntimo, lugar para agradecer os prazeres e tudo mais que o mundo nos propicia. A poetisa deixa claro que não sabe bem para quem agradece, apenas dirige o seu agradecimento. O amor supremo não tem um rosto, segundo Bauman ele surge inesperadamente, não há como escolher em que face ele irá se manifestar. Há sempre uma incerteza que é própria do amor.
O amor, a cada dia, é diferente, a "noite inaugural" e "a derradeira", ao mesmo tempo que inicia, pode estar chegando ao fim; pode ser a primeira, como pode ser a última noite do amor. O amor não tem prazo, validade, pode acabar a qualquer momento, é efêmero.
Por outro lado, Adélia Prado em seu poema demonstra saber quem é o objeto do seu amor. A dualidade - duas da tarde, duas árvores - reforça a idéia de que Jonathan representa a carne, o homem e Jesus/Deus representa o santo, dois, mas ao mesmo tempo, um. A dualidade, dessa forma, gera medo e dúvida diante de algo misterioso, inexplicável.
A pregação realizada por Jesus aparece nos dois poemas nos trechos: "Alto de um monte" e "Destes troncos que vês, Deus falou à Moisés". Ianelli mostra um "Eu Poético" que, ao mesmo tempo que ora e ouve as pregações, demonstra sentimentos contrastantes, como por exemplo, na quinta estrofe em, que ela crê, resiste e depois descrê, mas continua a orar.
Na hora do café, duas horas, o "Eu poético" de Adélia, através de um evento do cotidiano, abandona o devaneio e retorna à realidade, volta a ser criança e brinca com o irmão. E, da mesma maneira que Ianelli, demonstra também sentimentos contrastantes, mas com relação ao amor. Pergunta-se como podemos amar, transformar em amor uma coisa que nos provoca medo e horror. Esse estranhamento, para ela, não faz parte do homem, ser que está acostumado com receitas prontas, que imita e não se permite criar, continua sendo convencional e centrado na razão. O poeta, por outro lado, é alguém que foge das convenções, que olha para o que ninguém percebe e inventa, não se humilhando, não cedendo à razão:
"Borboletinhas, computadores
fios dágua com peixes
cabos telegráficos sob o mar."
O poeta ao criar consegue ver a beleza da criação, desvenda o belo, está aberto à expectativa do novo e não se detém naquilo que todo mundo vê. Na poesia de Ianelli, somos possuídos pelo milagre da oração, da mesma forma que somos possuídos pelo poema. O poema é um ato de elevação como a oração, é comparável a um milagre, um breve momento onde não usamos todas as palavras, há ainda muito para dizer. Fazer poesia é uma bênção, pois apesar do "olho cego" o poeta tem uma visão que ninguém mais tem, não há aprendizado possível. A criação, assim como o amor, é um ato sem controle, não existe escolha e racionalização, é um aborto, o poeta expulsa o poema. Não há planejamento para o amor assim como para a poesia, é um momento único e inesperado, no qual a experiência não é cumulativa, é sempre algo novo, mágico.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito boa a análise realizada! Os principais aspectos dos poemas selecionados foram destacados e discutidos.