terça-feira, 7 de outubro de 2008

Gullar says: pourquoi?


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O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.

(Trecho da poesia Não-Coisa)

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Se me permitem começar dessa forma:

Eu queria começar dizendo a verdade. A verdade que não existe fora como uma coisa certa e absoluta, mas existe tão forte dentro que digo sem titubear que se trata de uma verdade. E uma daquelas. Eu queria antes saber lidar com o começo das coisas. O lugar das coisas. Ou melhor, eu queria saber dizer o que quer ouvir, mas sem sabê-lo. Saber intuitivamente. Na verdade, eu só sei o que sinto. Eu sei, é contraditório. Isso se sente e não se sabe. Mas sei também que você gostaria de saber o que sinto - em palavras. Então, eu não sei como começar dizendo a verdade. Eu só sei senti-la. E nada mais.

É, pois, pensando na realização da verdade nesse mundo é que se deu meu primeiro encontro com Ferreira Gullar. Foi quando me interessei sobre vanguardas e o concretismo brasileiro. Na verdade, por mais tolo que isso pareça, confesso que o que ainda mais me chama a atenção em Gullar é sua fisionomia. Se há um intelectual (depois de ler o artigo intitulado Os Intelectuais de Beatriz Sarlo essa palavra em meu texto sempre possui uma conotação devidamente perversa) que possui certo magnetismo ele certamente é José Ribamar Ferreira (nome verdadeiro e desestimulante do escritor). Quero dizer que se em algum desses lugares que os intelectuais habitam eu ali, estrangeira, estivesse, não hesitaria em ouvi-lo falar sobre qualquer coisa. E mais, seria bem provável que sua presença fragmentada em cada fio liso e grisalho de seu cabelo não me fizesse duvidar do que está sendo dito. Nesse sentido, titubeei em escrever sobre ele. Mesmo em seus textos críticos que muito se diferem do meu posicionamento enquanto leitora que por vezes é crítica, meu desconforto não ultrapassa ainda as anotações no rodapé do livro. Eu realmente gostaria de saber, mas sem saber ou perguntar, de que maneira Gullar lida com as palavras (devidamente carregadas de ideologia) sem ser contraditório com as asserções feitas por ele mesmo sobre arte, literatura, arquitetura, política (e outras coisas afins que provavelmente ele tenha pensado sobre, mas eu desconheço).

Se me permitem questionar dessa forma:

  1. “Uma das maiores angústias do ser humano é precisamente a consciência de sua efemeridade” p. 44.
  2. “Mas o artista verdadeiro resiste ao oportunismo do momento, não desiste da audácia de tentar fundar o permanente e criar o maravilhoso” p.45.
  3. “Já imaginou se o que restasse de nossa época fosse o mictório-fonte de Duchamp? Ou simplesmente nada?” p. 46.

(In: GULLAR, Ferreira. Sobre arte. Sobre poesia: (uma luz do chão). 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.)

(Dêem uma olhada: http://www.itaucultural.org.br/efemera/home.html)

  1. A arte efêmera é aquela que se situa fora dos museus, que começa e acaba sem pretensões de ser verdade, de ser atemporal, de ser única, de ser salvação. A vida, assim como Clarice Lispector diz, sobrevive segurando o grande medo da eternidade: ”Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade”. Aqui, na eternidade, a meu ver, reside a maior angústia do ser humano (claro que devidamente descontextualizada para aqueles que perpetuam os mitos construtores das identidades e essências). A arte que acontece sem pretensões e nas dobras do tempo aproxima o olhar, chama para se achegar, mesmo que não goste, que não “entenda”, que não compactue. Ela é eterna no interior de sua efemeridade, pois o tempo na sociedade capitalista já não é mais o mesmo. E Lispector é pontual novamente: “Nunca deveríamos acreditar em relógios” (In: Onde Estivestes de Noite).
  2. Após a leitura de Do Sublime e do Grotesco de Vitor Hugo, Gullar não deveria pensar dessa forma. Mas, assim como na mesa redonda de terça-feira do Colóquio de Literatura Comparada da UFRGS, encerro por aqui essa discussão sobre o artista procurar o maravilhoso enquanto belo.
  3. Haveria pelo menos um lugar para sentar. E se na bricolagem pós-moderna eu pudesse reconstituir O Pensador de Rodin sentado na Fontaine de Duchamp? Talvez Gullar sentisse menor desconforto ao escrever sobre uma obra de arte nonsense num contexto histórico devidamente nonsense? Se restasse de nossa época apenas Duchamp? O Ser e o Nada.

Mas o propósito aqui é falar sobre as poesias de Gullar.


(Ver Thereza. In: Muitas vozes. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000).

Assim como Octavio Paz aponta em O Arco e a Lira o poeta não escolhe as palavras. As palavras se apresentam ao poeta como alimento disposto no prato e sua digestão é lenta e paciente. Elas não dão conta do significado. Quando a palavra tenta aproximar-se da coisa e ser pronunciada, ela já deixa de existir. E quando a coisa é nomeada pela palavra numa espécie de ritual de iniciação, a coisa já é outra coisa qualquer. A palavra então se lança a outros ouvidos e mentes sem saber exatamente quais são as dimensões de sua textura e tessitura. Por vezes, a palavra atravessa a mandíbula como se ela quisesse dar a volta por dentro de quem a captou, e voltar em si, em palavra-som. A procura pela palavra é constate. Ainda me admiro com, sobretudo, os poetas que se divertem tortuosamente na procura da palavra perfeita e a perdem assim que a tem em suas mãos. O poeta agora se lança a outros ouvidos e mentes. Para tanto, o desencontro da palavra com o poeta se mostra cada vez mais a matéria-prima do fazer poético.


Camila Alexandrini

Um comentário:

Unknown disse...

O texto apresenta excelentes reflexões sobre os pontos que levanta. Há pertinência na argumentação e na exposição, demonstrando não apenas reconhecimento das propostas sobre arte, a partir de Gullar, mas de discutis as inquietações surgidas com suas idéias.